“Lhe conto uma história. Me contaram, é coisa antiga dos tempos de Vasco da Gama.
Dizem que havia, nesse tempo, um velho preto que andava pelas praias a apanhar destroços de navios.
Recolhia restos de naufrágios e os enterrava.
Acontece que uma dessas tábuas que ele espetou no chão ganhou raízes e reviveu em Árvore.”
In A VARANDA DO FRANGIPANI de Mia Couto
Quando se abre um livro e se lê isto, o que é que se faz?
Um filme! digo eu produtor.
E é disso que se trata, fazer um filme, ainda por cima com adaptação pelo próprio autor em conjunto com o realizador. Acho que quase não é preciso dizer mais nada.
Mia Couto é autor do seu próprio nome, como explica no documentário que tive a honra de ter produzido com a realização de Solveig Nordlund.
Sol de Carvalho, é o realizador e produtor, que me deu a conhecer Moçambique, perdida que estava na Ilha dos Amores de Camões.
O Ancoradouro do Tempo é o título da versão adaptada para cinema do romance “A Varanda do Frangipani” e como diz Eduardo Lourenço: “Moçambique: essa imensa varanda sobre o Índico”, onde tudo se passou ali, naquela varanda, por baixo daquela árvore do frangipani, agora confinada, graças à libertadora criatividade dos seus autores, à Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique.
Que belo e único cenário para o desenrolar desta intriga policial de tons africanos, onde todos os personagens se consideram culpados, contrariando a habitual declarada inocência da maioria dos criminosos, na tão prestigiada literatura policial ocidental. Um Expresso do Oriente ao contrário.
Que bela é a luz imensa que invade os personagens ao incorporarem a fantasia da própria existência.
“PRIMEIRO O MUNDO ERA FEITO SÓ DE HOMENS, NÃO HAVIA ÁRVORES, NEM ANIMAIS, NEM PEDRAS. Só existiam homens. Contudo, nasciam tantos seres humanos que os deuses viram que eram de mais e demasiado iguais. Então decidiram transformar alguns homens em plantas, outros em bichos. E ainda outros em pedras. Resultado? Somos irmãos, árvores e bichos, bichos e homens, homens e pedras. Somos todos parentes saídos da mesma matéria.”
Somos produtor, realizador e autor .
Rui Simões/ Junho 2020