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SOL de CARVALHO

Houve um tempo que sempre considerou que os sonhos envelhecem depressa se não os agarramos nos momentos certos. Houve uma demora por opção. Chegou o momento de mergulhar na vida com a compreensão do seu compromisso com o cinema.

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Filmes de Sol de Carvalho e Davi Pretto vão ter financiamento alemão
 RTP Notícias, por Lusa

Dois projetos cinematográficos, do realizador moçambicano Sol de Carvalho e do brasileiro Davi Pretto, vão receber financiamento de um fundo alemão de apoio ao cinema, associado ao Festival de Cinema de Berlim, foi hoje anunciado.

O Berlinale World Cinema Fund, atualmente com uma dotação de 592 mil euros, apoiará o projeto da longa-metragem de ficção "O ancoradouro do tempo", de Sol de Carvalho, com 30 mil euros.

 

O projeto é uma adaptação do livro "A varanda do Frangipani", de Mia Couto, com argumento coassinado pelo escritor moçambicano, e contará com coprodução entre Moçambique, Angola e Portugal, pela Real Ficção.

Aquele fundo alemão irá ainda apoiar, com 40 mil euros, o projeto "Casas no campo", do realizador brasileiro Davi Pretto, que já tinha integrado o programa Berlinale Talents em 2015.

Entre as 163 candidaturas submetidas a este fundo, foram apoiados projetos de, entre outros, Turquia, Israel, Irão e Indonésia.

Em paralelo, o Berlinale World Cinema Fund atribuiu ainda dois prémios, de consultoria e acompanhamento, a David Pretto, pelo mesmo projeto, e à realizadora cabo-verdiana Samira Vera-Cruz por "And who will cook?", produzido pela Kriolscope Film.

O Berlinale World Cinema Fund, lançado em 2004, tem como objetivo apoiar a produção de cinema em regiões marcadas pela insuficiência de infraestruturas de ajuda financeira ao desenvolvimento do setor, e ao mesmo tempo garante uma diversificação de exibição de filmes no circuito alemão.

"Falta dinheiro para o cinema nacional explodir"
Sol de Carvalho, em entrevista exclusiva ao domingo, fala do estado actual do cinema no país.
 

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Há 20 anos, o realizador moçambicano João Luís Sol de Carvalho sentou-se no computador e escreveu o guião para o filme “O Dia que Explodiu Mabata Bata”, baseado no conto homónimo do escritor Mia Couto, mas a película só chegaria ao público em 2017.

De lá para cá o filme trouxe muita alegria para um homem que vive mergulhado no cinema, arte que parece uma extensão do seu corpo. Depois de ter sido jornalista, é com a sétima arte que decidiu continuar a contar histórias e a levar o nome de Moçambique para outros patamares.

E fá-lo com dedicação. Prova disso, há menos de um mês, Mabata Bata voltou a ser motivo de orgulho para o realizador ao arrecadar mais três distinções no Garden Route Festival Film International (África do Sul), de melhor filme, melhor director e melhor actor para Emílio Bila, jovem que interpretou Azarias, o protagonista do filme.

Sol, de onde nasceu o gosto pelo cinema?

 

A gente não sabe por que tem gosto por uma profissão ou maneira de se expressar na vida. Recordo que no pós-independência, quando apareceu pela primeira vez a televisão e só se via apenas uma vez por semana tinha também uma que era da Suazilândia, e a transmissão ficava muito cheia de grão, com qualidade péssima. Chegava a casa e encontrava o meu pai a ver televisão. O pior é que ele não falava inglês, mas havia qualquer coisa de fascínio muito grande que ele tinha pela imagem e que acho que herdei.  Esta forma de olhar para as imagens e tentar identificar o seu conteúdo psicológico, emocional e físico, que é a função do cinema para mim.

Há uma memória que considero interessante, e até a escrevi num guião para um filme. Nós vivíamos em Inhambane e nos dirigíamos ao Cinema Tofo, aos domingos à tarde, para ver filmes de Cowboys, acção. Sempre que começava o filme, ficava tenso, as minhas funções orgânicas paravam de funcionar e ia à casa de banho vomitar. Aconteceu várias vezes, e só mais tarde percebi que era por causa do cinema. Então, não podes explicar por que gostas de uma coisa. Ainda pequeno, o meu quarto andava cheio de cartazes e quando fui estudar, em Portugal, roubava comida de vez em quando, porque tinha pensão reduzida e todo o dinheiro ia para cinema (risos).

 

Então não houve empurrão do seu pai?

 

Não, pelo contrário. Tive que o convencer que ia a Portugal estudar arquitectura. Fui fazer exames no Conservatório do Cinema e fui muito bem classificado. Pedi para escreverem a minha classificação e enviar para o meu pai. Ele recebeu a carta e já não tinha como voltar atrás. Depois, meti-me na política nem terminei o curso, na altura da Independência voltei para me “entregar à revolução.” 

 

“Mabata Bata” acaba de vencer mais três prémios. Sente que o filme chegou onde desejava?

 

Ainda tem um caminho para andar, mas provavelmente já atingiu o seu pico. É preciso entender a dinâmica do circuito internacional. Se consegues entrar num festival de referência já é bom. Foi o que aconteceu com Mabata Bata. Entramos no Festival Internacional de Roterdão, considerado um dos melhores do mundo, depois tivemos FESPACO, onde ganhamos duas categorias, na montagem e fotografia. Quando ganhas FESPACO, todos os festivais africanos do mundo vão olhar para o teu filme.

“Mabata Bata” tem feito uma coisa que me dá muito prazer, que é correr em muitos festivais africanos. Já são 74 festivais, ganhou mais de 20 prémios e menções honrosas. O mais interessante é que Mabata Bata é um dos filmes mais baratos que fiz de longa-metragem. Custou entre 200 a 250 mil dólares. A diferença é que tinha uma equipa que estava todo o tempo a ajudar. Foi a capacidade de toda a equipa que deu força ao Mabata Bata. O filme não é apenas uma obra pessoal.

 

Sente-se realizado com o filme?

Sinto-me, sim. Mas preciso de novos desafios. Todos nós precisamos. 

 

ESTAMOS LONGE DOS ÓSCARES

Com a qualidade e reconhecimento que estamos a ter, está na hora de sonhar com um Óscar? Já estivemos perto...

 

Criou-se uma expectativa que acho exagerada, mas que é justificável, no sentido de que havia esta possibilidade, através da candidatura que tinha sido feita. A comunicação, os jornais pegaram a informação e avançaram. Vocês são capazes de fazer as coisas crescerem.

Mas para se candidatar, tem que ter em conta que são mais de 200 países a concorrer ao Óscar. E para negociar que o filme seja discutido, precisa ter um orçamento de 150 mil dólares no mínimo e é um investimento que o país deve fazer. Depois há muito trabalho de lobby, bastidores, para que seja avaliado só mesmo para ser candidato, o que não é ganhar.

Não estou a dizer que o filme não merecia, tenho respeito pelos filmes do Licínio, mas criou-se uma expectativa que não correspondeu a verdade. Não sei se na academia de Hollywood houve tanta atenção. Aquela é uma dimensão que não tem nada a ver connosco, vamos ter que ser realistas, justos e honestos. Não creio que a nossa produção seja suficiente para começar a pensar em Óscar. Temos tantas outras coisas ainda por fazer.

 

A nossa produção anual de longas-metragens é reduzida...

 

Nos dois últimos anos fizemos 4 longas, nunca tinha acontecido na história do país independente. Este ano foi feito “O avó dezanove e o segredo Soviético” de João Ribeiro. Não saiu ainda acho que por razões de comércio e da pandemia. Mas estamos numa situação em que 4 longas em dois anos não é mau mesmo. O único problema é que quem fez as longas são os realizadores de barba branca. Penso que já é tempo de passar o testemunho para os mais novos. E isso esta a mostrar-se complexo porque não tivemos um geração intermediária e o cinema foi abandonado à nossa sorte durante muitos anos.

 

O que pensa da Lei do audiovisual e cinema?

 

Tenho dificuldades para falar da lei, porque estou desde o inicio das discussões a trabalhar nela, fazendo propostas e recolhendo e elaborando os pontos de vista dos colegas. Não me sinto completamente satisfeito, porque muitas coisas que pedimos não foram atendidas. Depois de muitas discussões, aparentemente estávamos a chegar a um acordo, mas no final, a formulação que veio era diferente da que tínhamos proposto.

Mas o essencial é que o Estado se comprometeu, através da Lei, que todos os anos haverá concursos para apoio à produção. Não vou discutir se é suficiente. A questão é que se demorou 40 anos, mas conseguimos, finalmente, um apoio directo. Há jovens cineastas que estão a trabalhar sem dinheiro nenhum, este é um passo importante, uma nova era. Agora, é preciso ainda resolver uma série de problemas.

 

Quais?

Modalidades de concurso, se o dinheiro previsto na lei realmente chega de facto à produção e como é a divisão. O que apareceu é ainda muito pouco. Agora que se lançou o primeiro concurso, vamos aguardar para ver o que acontece. Este concurso é importante para os cineastas porque podem começar a fazer filmes com outro tipo de histórias mais autorais, fora do discurso habitual e que nós nem imaginamos. Continuamos a fazer pressão para que haja descentralização e mais dinheiro.

 

O debate sobre apresentar Script para ter financiamento é ingénuo?

 

Ninguém te dá dinheiro sem saber o que realmente vais fazer. Em alguns sítios pode até haver a intenção de controlar conteúdos, noutros sítios é fundamental que exista o conteúdo do Script para que quem dá dinheiro sinta a consistência da obra e te possa escolher entre os vários candidatos. Não é possível investir em cinema sem investir nos dossiers que têm o guião, a abordagem, o local das filmagens e montagem, curriculum e orçamento.

O que acontece é que se criou uma ideia preguiçosa, perniciosa e pouco profissional, de que o cinema é só pegar câmera e ir filmar. É mentira. A preparação é necessária e melhor até para se conseguir gastar menos dinheiro, por isso não vejo a razão da discussão sobre script (guião), não faz sentido.

 

O NOSSO CINEMA CARECE DE CONHECIMENTO E DINHEIRO 

Faça um olhar crítico do estágio actual do cinema...

 

Há mitos no cinema moçambicano. Um deles é que temos Hollywood a vir a Moçambique e é a “nossa galinha de ovos de ouro”. Hollywood apareceu e fez uns 4 filmes cá, depois ... foi-se. Começaram a surgir máfias, muitoa entraves, corrupção e os preços subiram. Então nos abandonaram. É preciso ter cuidado ao alimentar a galinha, senão morre.

O outro é que todos os filmes dão lucro. O filme “O Jardim de Outro Homem” apenas teve duas semanas no cinema Xenon, isto significa 5 mil pessoas que foram assistir. Então, se tens um filme que custa 100 mil dólares, com 5 mil pessoas não pagas o filme.

 

O que significa isso?

Isso quer dizer que a indústria do cinema só funciona onde existe mais de 50 milhões de habitantes dos quais existe uma boa quantidade que pode pagar um bilhete de cinema , onde o nível de distribuição é muito grande e consegues recuperar o dinheiro. EUA, INDIA, CHINA, BRASIL e no nosso continente a NIGERIA. Mas no nosso país não, então tens que ter apoio do Estado. 

Depois, temos um problema com as escolas de arte. O ISARC tem que assumir todo o país e não há dúvidas, infelizmente, que uma pessoa de Maputo estará mais preparada que uma do Niassa, por exemplo. Por isso que quando começas a dar aulas, deves equilibrar. E o nível do conhecimento técnico e conceptual dos alunos que saem de lá não é tão bom. Vejo mais pessoas que não frequentaram a escola a produzir.

 

Depois, tem de haver maior compreensão e conhecimento das instituições que lidam com o cinema do que é realmente o cinema. Nota-se que há bastante desconhecimento sobre as dinâmicas do cinema, os fundos etc. Talvez falta diálogo com os mais velhos e de alguma humildade para perguntar como é que funciona.

É preciso que haja também apoio à escrita. Escrever um guião não é uma coisa qualquer. O guião é uma obra de arte, tem regras, e nós achamos que é fácil, basta sentar e escrever, o que não é verdade. Mas é na escrita que as obras começam...

 

Falando em indústria, como olha para a situação no país?

 

Vamos ser claros, não há indústria nenhuma. Por exemplo, a indústria do cinema possível no país tinha que ter uma associação com as televisões, coisa que não tem. Noutros países já não se faz essa separação, essa ideia de que a televisão é consumo e que o cinema é bom porque é arte. Cinema e televisão devem estar juntos.

Também tinha que se criar condições de incentivo à produção, incluindo a história das filmagens estrangeiras. Já há países africanos com comissões de cinema para atrair cineastas estrangeiros. Mas é preciso rever a questão dos impostos e taxas. Temos uma lei cheia de taxas que não ajuda nada.

Depois cinema é uma arte de dinheiro, não há dúvidas, gasta mais. Então é preciso que fique claro onde vamos buscar esse dinheiro para trabalharmos.

A lei do cinema tem apenas dois parágrafos sobre televisão que não estão a ser cumpridos, que é a obrigação delas de pagar a produção nacional e abrir concursos, o que não está a acontecer. É preciso criar o casamento entre cinema e televisão.

 

Então, resumindo, o que falta para o cinema nacional explodir?

 

Dinheiro e conhecimento, porque fizemos um grande investimento na educação, nos últimos anos, mas temos que pensar que educação é essa. Já nem é o problema da escrita, mas é o rigor. Será que é mais importante termos técnicos do que apostar na formação de criadores? Ficou uma ideia de que Moçambique é um país criativo e que não precisa se estudar para isso. Mas é errado. Das histórias incríveis que o país tem até ao documento, há um processo, um caminho longo por percorrer e que precisa de conhecimento, de competência e de trabalho “de casa”. É a universidade que deve fazer esse caminho.

 

Quanto à exibição, está na hora de pensar em espaços alternativos?

 

Já temos espaços alternativos, mas vamos colocar a questão da seguinte maneira: o que fazes neste momento quando queres ver um filme? Vais sair do teu bairro para ir ver um filme no Scala? Chatice de transporte, Covid..., custos? Preferes ficar em casa ou ir ao bairro...

O modelo clássico de distribuição não funciona mais. O mercado de televisão e de Internet, streaming e Youtube e redes sociais vai crescer. É uma economia nova que vai crescer e nós podemos nos aliar a essas plataformas. Temos de o fazer se queremos contribuir significativamente para as industrias criativas.

 

O país não tem prémio nacional de cinema...

 

Penso que devia, sim, ter, tal como acontece nas outras manifestações. Faz-nos falta. Gosto que vejam o filme e me digam que está bom, não vamos ser ingénuos e negar isto. A apreciação é sempre uma coisa boa, apesar de envolver muito ciúme, discussão, mas é funcional porque é o momento de festa de cinema.

 

Como vai a saúde da produtora Promarte?

 

Estamos a trabalhar numa radionovela. No cinema temos um projecto chamado Kutxinga (purificação sexual, em português) já praticamente pronto. É o filme mais forte que eu fiz, do ponto de vista de polémica, porque é evidente que ninguém está de acordo que as mulheres sejam sujeitas ao processo de Kutxinga, mas se queres combater uma prática errada é preciso compreender como ela funciona em termos de estrutura social e como as pessoas reagem em relação a ela na vida do dia a dia. Não tinha ideia que era uma prática tão assumida claramente e feita por toda a gente. O filme já está quase pronto.

Tenho uma curta metragem já pronta chamada “Monólogos com a História”, baseado no conto de Aldino Muianga que espera um bom momento para sair.

 

Há também o “Ancoradouro do Tempo”, escrito a partir do livro Varanda de Frangipani, do Mia Couto. Quando nos candidatámos à escrita ele decidiu que ia ser co-guionista e isso foi um processo muito bom e o filme ganhou com isso. Então já temos uma boa parte do dinheiro para fazer o filme, mas estamos a discutir como vai ser por causa da pandemia. Sera filmado para o ano, esperamos e poderá sair em 2022.

 

Tem trabalhado com novos cineastas?

 

Neste momento estou a trabalhar com três. Discutimos trabalho, eles mandam guiões. Batemo-nos e discutimos e temos tido bons resultados. Senti sempre essa obrigação de passar o conhecimento aos outros e sinto grande prazer em fazer isso.

Agora, uma coisa importante é que o Estado tem que assumir e saber onde colocar as pessoas depois da formação. Os jovens saem do curso, são “doutores” mas não têm trabalho. Uma coisa importante é discutir os estágios subvencionados por exemplo...

 

O cinema Scala resiste e continua no batente. Há uma obrigação histórica para divulgar o cinema nacional?

 

Sinto essa obrigação, mas começo a sentir também um certo desprezo pelas pessoas que estão sempre a dizer que temos que fazer isto ou aquilo, mas não dão um passo sequer para materializar. Falo em geral desde instituições, empresas ou pessoas particulares. Por exemplo, o Tofo estava a funcionar, o ciclone arrebentou tudo. Fizemos uma campanha mas não recebemos sequer uma quinhenta. Há muitas pessoas que prometem e quando chega a hora não ajudam. Mas estamos aqui na frente da batalha, só que começa a nos pesar e teremos de encontrar solução.

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Eis o motivo para a conversa com Sol de Carvalho, que sente que o seu filme ainda tem uma estrada por percorrer, depois de ter vencido, noutros tempos, prémios como António Loja Neves, da Federação Portuguesa de Cineclubes. Melhor Montagem e Melhor Imagem, no FESPACO, festival africano realizado em Burkina Faso, melhor filme de ficção em Bristol (Reino Unido), melhor longa-metragem de 2019, no Langston Hughes African American Film Festival, entre outros, alcançando 74 participações em festivais e mais de 20 galardões.

A conversa flui no terraço do Cine-teatro Scala, sob temperatura amena que tranquiliza a capital do país, no dia que completa 133 anos. O homem que, apesar de inúmeras distinções, continua com sorriso fácil e uma mente veloz, contrastando a sua idade (67 anos), não tem dúvidas: “só falta dinheiro para o cinema explodir”

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